"CÂMARA FOMENTA TURISMO ALTERNATIVO" ??????
O artigo publicado em vários jornais durante o mês de Julho e Agosto (nomeadamente Diário As Beiras, Diário de Coimbra, Comércio do Porto, Correio da Manhã, etc.), alusivo ao tema "As grutas no concelho de Penela", chocou a comunidade espeleológica pela profusão de incorrecções e de afirmações cujo objectivo, é no mínimo, de duvidosa moralidade e responsabilidade. Assim, e para repor a verdade e um pouco de sensatez no assunto, vimos pedir que nos concedam o favor da publicação do presente texto, ao abrigo do direito à resposta.
A gruta do Soprador do Carvalho, incorrectamente denominada "Talismã" no referido artigo, conta apenas com 2100m topografados, ao contrário dos 4000m anunciados. A gruta é visitável apenas durante o verão, quando o nível da ribeira subterrânea desce o suficiente para permitir a passagem, o que acontece, no melhor dos casos, durante os meses de Junho a Setembro. No pico do estio, a progressão dentro da principal galeria é feita, no mínimo, com água até aos joelhos. Certas galerias possuem troços em que não se pode excluir a possibilidade, de uma subida súbita da água, impedir a saída de visitantes. Estas são condições que dificilmente se podem julgar aceitáveis para uma gruta "turística".
Mas existem outras contra-indicações. Em regra, as grutas constituem um sistema eco-geológico frágil. Com a primeira incursão do homem neste ambiente até então virgem, inicia-se a sua degradação irreversível. As formações litoquímicas, os preenchimentos de sedimentos e possíveis restos de fauna e flora, testemunhos de outras épocas, assim como vestígios arqueológicos conservados nesta espécie de cápsula do tempo, deterioram-se irremediavelmente com a passagem de cada eventual visitante. Existem grutas que pelas suas características geológicas e dimensão permitem ser visitadas sem que o impacto seja demasiado prejudicial, mas estas constituem uma excepção. A gruta do Soprador do Carvalho não se inclui nesta categoria. A comunidade de espeleólogos já viu este cenário de degradação ocorrer demasiadas vezes e é tempo de dizer "basta". A gruta do Soprador do Carvalho deve ser visitada e explorada por quem tem algo de construtivo a fazer e a estudar, tomando todos os cuidados para não a degradar, e quando concluídos os trabalhos, deixada imperturbada, para usufruto das gerações futuras. O turismo alternativo de que fala esse artigo é a via mais directa para a destruição deste património.
As grutas da região de Penela têm sido objecto das mais variadas especulações. Já em 1993, quando a Gruta do Soprador do Carvalho foi descoberta pelo Grupo de Arqueologia e Espeleologia de Pombal, um responsável desta associação empolou a sua eventual importância como gruta turística. A população local deu largas à sua imaginação e de imediato começou a fazer contas a quantos turistas pode transportar um autocarro e quantos autocarros poderiam estacionar nos seus quintais. A autarquia reagiu com promessas megalómanas encaixando assim mais uns votos eleitorais. A especulação de preços dos terrenos começou e a pacatez de vida da bela povoação de Taliscas foi abalada. No entanto os anos passaram e nada se fez. A exploração integral da gruta e o seu levantamento topográfico ficou por ser feita, desconhecendo-se ainda hoje a sua verdadeira extensão pela incompetência e teimosia ciumenta do grupo que a descobriu em não se deixar ajudar por outros, mais experientes e qualificados. As promessas e devaneios eleitorais ficaram também por cumprir, e ainda bem, por não terem fundamento. A população ficou frustada e azeda quanto a tudo o que tenha a ver com grutas. A avaliar pelo teor do texto, o azedume vai piorar com a municipalidade a gastar dinheiro em projectos que, na nossa modesta opinião de gente que já viu muitas grutas, é inviável.
As grutas de Taliscas não têm viabilidade turística, mas têm importância científica, e como tal não podiam ser votadas ao esquecimento. Assim, em 1997, um colectivo constituído pelas associações espeleológicas Grupo de Protecção de Sicó, de Pombal, Centro de Investigação e Exploração Subterrânea, de Coimbra, Núcleo de Espeleologia de Condeixa, Sociedade dos Amigos das Grutas e Algares, de Lisboa e Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia, retomaram os trabalhos de exploração da gruta, que continuam ainda. No mesmo ano estas associações desobstruíram a entrada, realizaram a exploração e o levantamento topográfico da gruta do Algarinho, que faz parte do mesmo sistema subterrâneo. A gruta do Algarinho já foi explorada numa extensão de pouco mais de 2 km, ao contrário dos 6 km referidos nos artigo publicados, para os quais a associação Infante D. Pedro e o Sr. Mário Duarte, que além de funcionário da Câmara de Penela tem uma empresa de "turismo radical", não contribuíram com um só centímetro. Esta gruta não reúne igualmente condições para ser explorada turisticamente e os projectos que o artigo revela são um atentado ao património arqueológico e espeleológico que esta encerra.
Gostaríamos de acrescentar as correcções de que a gruta do Soprador do Carvalho está longe de ser uma das maiores de Portugal, e de que há 180 milhões de anos estavam a depositar-se os sedimentos marinhos que viriam a dar muito mais tarde origem ao pequeno maciço calcário de Penela e cuja rocha viria a ser "esculpida pela água" formando grutas apenas nas últimas centenas de milhares de anos.
Lamentamos que continue a especulação em torno das grutas desta região e que, em nome do pseudo-desenvolvimento, modas radicais e para benefício efémero e egoísta do bolso de alguns, se delapide um património que pertence a todos, inclusive às gerações futuras. Deixem em paz estas grutas. Talvez um dia se descubram outras com as características certas para serem turísticas. Entretanto Penela e os conselhos limítrofes têm muitas outras importantes riquezas para serem desenvolvidas.
Subscrevem este texto as seguintes associações espeleológicas: